Fames-19: entenda como funcionava o esquema de cestas básicas
Governador Wanderlei Barbosa entregando cesta básica durante a pandemia, em maio de 2021 Ruraltins/Governo do Tocantins A segunda etapa da Operação Fames-19 ...

Governador Wanderlei Barbosa entregando cesta básica durante a pandemia, em maio de 2021 Ruraltins/Governo do Tocantins A segunda etapa da Operação Fames-19 afastou o governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa (Republicanos) e a primeira-dama, Karynne Sotero Campos, que é secretária extraordinária de Participações Sociais. A Polícia Federal investiga um suposto esquema de desvio de recursos públicos na compra de cestas básicas no Tocantins, durante a pandemia de Covid-19. Esse esquema, segundo a decisão, envolvia um núcleo composto por servidores, políticos do alto escalão e empresários (confira mais detalhes abaixo). O governador afirmou, em nota, que recebe a decisão com respeito às instituições, mas se trata de uma "medida precipitada". Afirmou que os fatos ocorreram na gestão anterior, quando tinha o cargo de vice-governador e não era ordenador de despesas. Também afirmou que determinou auditoria nos contratos e acionará os meios jurídicos necessários para reassumir o cargo (veja nota completa abaixo). A primeira-dama informou que vai se dedicar a sua defesa e que está convicta de que irá "comprovar total ausência de participação nos fatos" (veja nota completa abaixo). 📱 Clique aqui para seguir o canal do g1 TO no WhatsApp A operação foi realizada nesta quarta-feira (3). Mais de 200 policiais cumpriram 51 mandados de busca e apreensão e outras medidas cautelares no Tocantins, Paraíba, Maranhão e Distrito Federal. O governador e primeira-dama ficarão afastado pelo prazo de 180 dias, segundo decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). LEIA TAMBÉM Governador do Tocantins e primeira-dama são afastados pelo STJ durante investigação sobre compra de cestas básicas Ex-marido de primeira-dama recebeu R$ 1,3 milhão de empresas investigadas por desvio de verba para cestas básicas, aponta PF Contratações A Polícia Federal recebeu as informações do suposto esquema durante a gestão do ex-governador Mauro Carlesse. Na época, Wanderlei Barbosa era vice-governador e ficou com a atribuição de cuidar da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (Setas), por conta de arranjos políticos, segundo a decisão. A defesa de Carlesse informou que o ex-governador não é investigado, réu ou alvo da operação e que, durante seu mandato, "inexistiu qualquer ato ou decisão de sua responsabilidade relacionado aos fatos apurados" (veja nota completa abaixo). Investigações identificaram que a maior parte das verbas, relacionadas ao enfrentamento das consequências da Covid-19, foi direcionada para a Setas entre os anos de 2020 e 2021. Na época, foram contratadas várias empresas. Algumas haviam sido abertas pouco tempo antes das contratações e elas não tinham objetivo social de fornecimento de alimentos. "O esquema consistiu na contratação de um grupo de empresas previamente selecionadas, muitas delas constituídas há pouquíssimo tempo, ou com objeto social distinto do fornecimento de alimentos, as quais, receberiam a totalidade do valor contratado, sempre em somas de grande vulto, entregando, em contrapartida, apenas parte do quantitativo estipulado, tendo havido a inexecução parcial ou até mesmo integral dos contratos de fornecimento", diz a decisão. Conforme a polícia, o esquema passava por várias pessoas que ficavam responsáveis por diferentes tarefas para dar andamento às contratações e desvios. Veja como iniciou operação que levou ao afastamento do Governador Wanderlei Barbosa Esquema dividido em núcleos Segundo a decisão, o esquema era realizado em quatro núcleos: agentes políticos, servidores públicos, empresarial e núcleo financeiro e de lavagen de capitais. Entenda como funcionava cada um deles. Núcleo de agentes políticos A investigação apontou a atuação do alto escalão do governo no esquema, iniciando com Wanderlei Barbosa, sua esposa Karynne Sotero e seguia com o ex-secretário da Setas, José Messias Alves de Araújo. Esse núcleo, segundo a decisão, também incluía agentes do Poder Legislativo Estadual, que destinavam recursos, por meio de emendas parlamentares, para a aquisição de cestas básicas em troca de vantagens indevidas. O g1 tenta contato com o José Messias Alves. Núcleo de servidores públicos O núcleo ficava responsável pelas operações, direcionando licitações e atestando falsamente o recebimento das cestas básicas, com o propósito de "amparar documentalmente o desvio de recursos perpetrado". Parte dos serviços era realizada por assessores especiais que eram subordinados a Wanderlei Barbosa. Segundo a investigação, uma pessoa ficava responsável pelas transferências bancárias e saques de valores que eram repassados para o assessor Taciano Darcles Santana Sousa ou Thiago Marcos Barbosa, sobrinho do governador. Esses valores eram entregues em espécie aos outros envolvidos no esquema, incluindo o Wanderlei Barbosa. Também foi identificado que o chefe de gabinete do governador e uma outra pessoa realizavam depósitos em espécie de forma fracionada em favor do governador, além de pagamentos de boletos de valores elevados o favorecendo. Na época da primeira fase da Fames-19, servidores citados no esquema foram exonerados. Entre eles, Taciano Darcles e o chefe de gabinete, que foi nomeado novamente para o mesmo cargo no dia 8 de agosto de 2025. O g1 solicitou posicionamento à defesa de Thiago Barbosa, mas não teve resposta até a publicação da matéria. A reportagem tenta contato com Taciano Darcles. Núcleo empresarial Nessa parte do esquema, as empresas que eram previamente selecionadas simulavam uma situação de ampla concorrência. Elas eram usadas no desvio dos recursos públicos, ao fingir as entregas das cestas básicas. Conforme as investigações, o esquema seguia o modus operandi de transferir a participação social de empresas existentes ou a criação de CNPJs em nome de laranjas, que muitas vezes eram beneficiários do auxílio emergencial durante a pandemia. Essas empresas eram operadas por meio de procurações condedidas a pessoas legadas aos esquemas. "Todas estas empresas figuraram como destinatárias de vultosas quantias de recursos públicos, supostamente utilizados para a aquisição de cestas básicas de papel, durante a fase aguda da pandemia de COVID-19, e em contratos de fornecimento de bens e serviços que se seguiram à pandemia, estando ainda em andamento a investigação quanto aos destinatários dos valores desviados, que supostamente se envolveram na lavagem do capital ilicitamente amealhado", diz a decisão. Núcleo financeiro e de lavagem de capitais O núcleo financeiro agia no recebimento de vantagens ilícitas e envio de valores que depois eram sacados e distribuídos entre os membros da organização. A polícia identificou que parte desses recursos desviados era repassada para a Pousada Pedra Canga, um empreendimento de luxo na Serra de Taquaruçu, que pertence ao filho do governador, Rérison Antônio Castro Leite. Segundo a decisão, uma conversa entre o filho do governador e o chefe de gabinete no dia 21 de maio de 2024 confirma o uso ilícito do dinheiro público. "Rérison orienta [chefe de gabinete] a deixar todos os apontamentos averbados na JUCETINS, referentes à Pousada Pedra Canga, em seu nome, ratificando o escopo atual e contemporâneo de dissimulação do capital ilicitamente auferido no governo do Estado, para ser empregado em sua edificação". Operação Fames-19 Esta é a 2ª fase da Operação Fames-19, que busca reunir novos elementos sobre o uso de emendas parlamentares e o recebimento de vantagens indevidas por agentes públicos e políticos com a compra de cestas básicas durante a pandemia de Covid-19. Segundo a decisão, são apurados os crimes de frustração ao caráter competitivo de licitação, peculato, corrupção passiva, lavagem de capitais e formação de organização criminosa. Conforme a PF, as investigações apontam fortes indícios de um esquema de desvio de recursos públicos em 2020 e 2021. Nesse período, os investigados teriam se aproveitado do estado de emergência em saúde pública e assistência social para fraudar contratos de fornecimento de cestas básicas. Em agosto de 2024, Wanderlei Barbosa e a esposa foram alvos de busca na primeira fase da operação. Nessa fase, políticos e empresários estavam entre os alvos. Durante o cumprimento das buscas na casa e no gabinete de Wanderlei, os policiais federais encontraram R$ 67,7 mil em espécie, além quantias em dólares e euros. Segundo a apuração, foram pagos mais de R$ 97 milhões em contratos para fornecimento de cestas básicas e frangos congelados. O prejuízo aos cofres públicos é estimado em mais de R$ 73 milhões. Segundo a investigação, os valores desviados teriam sido ocultados por meio da construção de empreendimentos de luxo, compra de gado e pagamento de despesas pessoais dos envolvidos. Íntegras das notas das defesas Nota da Secretaria Estadual do Trabalho e Desenvolvimento Social (Setas) A Secretaria Estadual do Trabalho e Desenvolvimento Social (Setas) informa que tem colaborado com as investigações e encaminhado informações aos órgãos de controle internos e externos para instruir as tomadas de contas que foram instauradas. A Setas reforça seu compromisso em colaborar com as autoridades competentes. Nota defesa Rérison Castro Ele não foi alvo da operação. Não temos acesso ao IPL, à representação e à decisão que determinou as medidas cautelares. Certo que o Rérison não é servidor do Estado e não tem nenhuma vinculação com os crimes investigados. Nota Mauro Carlesse A defesa do ex-governador Mauro Carlesse lamenta os recentes acontecimentos envolvendo o Estado do Tocantins e esclarece que, durante todo o período em que Mauro Carlesse exerceu o mandato, inexistiu qualquer ato ou decisão de sua responsabilidade relacionado aos fatos apurados. Ressalta, ainda, que o ex-governador não figura como investigado, réu ou alvo de quaisquer medidas decorrentes da operação, não havendo, portanto, qualquer imputação contra sua pessoa. Por fim, a defesa reafirma sua confiança nas instituições e no pleno esclarecimento dos fatos, convicta de que a apuração confirmará a total ausência de envolvimento de Mauro Carlesse com os acontecimentos sob investigação. Nota de Karynne Sotero Reitero meu respeito à decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e às instituições, ressaltando que irei dedicar-me plenamente à minha defesa, convicta de que conseguirei comprovar minha total ausência de participação nos fatos que estão sendo apontados. Desejo que tudo seja esclarecido e reestabelecido com brevidade e justiça, pelo bem do povo tocantinense, a quem dedico meu trabalho e compromisso. Nota de Wanderlei Barbosa Recebo a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com respeito às instituições, mas registro que se trata de medida precipitada, adotada quando as apurações da Operação Fames-19 ainda estão em andamento, sem conclusão definitiva sobre qualquer responsabilidade da minha parte. É importante ressaltar que o pagamento das cestas básicas, objeto da investigação, ocorreu entre 2020 e 2021, ainda na gestão anterior, quando eu exercia o cargo de vice-governador e não era ordenador de despesa. Reforço que, por minha determinação, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e a Controladoria-Geral do Estado (CGE) instauraram auditoria sobre os contratos mencionados e encaminharam integralmente as informações às autoridades competentes. Além dessa providência já em curso, acionarei os meios jurídicos necessários para reassumir o cargo de Governador do Tocantins, comprovar a legalidade dos meus atos e enfrentar essa injustiça, assegurando a estabilidade do Estado e a continuidade dos serviços à população. Veja mais notícias da região no g1 Tocantins.